A vigília das leituras: escutamos todo o plano de salvação de Deus em apenas uma missa
“A Missa da vigília é a verdadeira Missa do domingo da Páscoa”
Ao se
aproximar o fim da Quaresma, em todas as paróquias e comunidades que celebrarão
a Semana Santa, se inicia também a preparação dos Acólitos e dos grupos de
liturgia para os ritos que serão o centro do ano litúrgico. Eu, fazendo parte
do grupo de liturgia da minha paróquia, já estou habituada com os desafios que
se celebrar uma missa longa exige, pelo próprio cansaço daqueles que estão à
frente da celebração.
O tríduo
pascal, entre outras graças, tem o privilégio de nos fornecer a celebração
litúrgica mais completa e importante do ano: a vigília pascal. Mãe de todas as
vigílias, e, como o Missal Romano exalta como “a verdadeira missa da Páscoa do
Senhor”, essa celebração eucarística é composta por quatro partes: rito da luz,
liturgia da palavra, liturgia batismal e liturgia eucarística. Como já dá para
se perceber, não é uma missa rápida. Logo, então, aparecem as dificuldades que
impedem que ela aconteça da forma mais perfeita e completa como o Missal pede.
Pois aqui
aparece o evento que evidencio dentro das paróquias e comunidades desde que a
Igreja começou a permitir a omissão de certos atos ou tradições por “questões
pastorais”: tudo o que a Igreja dá a opção de ser facultativo se torna
exagerado e desnecessário, causando o empobrecimento litúrgico pela falta de
ritos, que são sinais de Deus e canal da graça divina para os fiéis.
Nessa
permissão de omissão de ritos por “questões pastorais”, entra a liturgia da
palavra da vigília pascal. Essa parte da vigília é composta por nove leituras
(sete do antigo testamento, acompanhadas cada uma por seu salmo e sua oração,
uma epístola e o evangelho). O missal, como já disse, permite que essas
leituras do antigo testamento sejam reduzidas para o número de três, e, em caso
GRAVE (o que é um caso grave?), para apenas duas. Isso me faz perceber como a
narração da economia da salvação – plano de Deus para nos salvar – é tão
pobremente apresentada, e pouco percebida como uma progressão de acontecimentos,
caso essas leituras sejam omitidas.
Percebam: a
vigília pascal é a missa das leituras. A Igreja faz questão de nos mostrar como
Deus decide nos salvar por amor e como Ele decide nos preparar para esse
caminho. A vigília começa trazendo a luz de Cristo para aqueles que estavam nas
trevas à espera do Senhor (rito da luz), nos relembra de toda a história de
amor de Deus com seu povo (liturgia da palavra), e prossegue com os novos admitidos
ao corpo de Cristo (liturgia batismal) para a mesa da ceia do Senhor (liturgia
eucarística). Essa vigília é toda perfeita e completa do jeito que o missal
pede, sem acrescentar nem tirar nada. Não há motivo grave que me faça deixar de
querer ouvir o desejo de Deus de vir ao meu encontro limpar minhas feridas e
minha podridão causada pelo pecado, tudo isso relatado nas leituras do antigo
testamento, que pretendo fazer uma breve reflexão à luz dos ensinamentos da
Igreja sobre a economia sacramental.
Primeiramente,
precisamos entender o porquê da necessidade de termos um salvador, e porque ele
precisou se sacrificar por nós, já que Deus criou todas as coisas boas. A
primeira leitura do antigo testamento (Gn 1, 1-2,2) vem relembrar o principio
de tudo: a criação do mundo e do homem. Deus criou um mundo bom e uma terra boa
para sua mais importante criação, o homem, habitar. Ele também criou o homem
para ser bom, e para amar, a vocação do homem é o amor. Entretanto, por decisão
própria, o homem vira as costas a Deus, por soberba, por ganância de querer ser
maior que Deus - influenciado pelo encardido, claro, pois o pecado não foi
ideia humana. A partir daí, toda a desgraça entra no mundo, através do pecado,
através do homem. Entretanto, Deus, infinitamente bom e misericordioso, não
deixaria sua criação tão amada ficar nessa situação de miséria (mesmo que
merecesse).
Após essa
leitura inicial, avançamos um pouco no livro do Gênesis (Gn 22, 1-18) para a
segunda leitura. Aí, evidenciamos o primeiro passo que Deus dá para nos salvar.
É sempre assim, Deus nos ama primeiro para que possamos amá-lo de volta. Deus
se revela a Abraão como o verdadeiro Deus; Abraão é aquele que guiará Israel, o
povo escolhido, para a terra prometida. Abraão teve uma verdadeira experiência
com Deus, e decide sair com sua família e seu povo, abandonar sua terra em
busca da terra preparada, para aceitar a vontade de Deus em sua vida. Abraão
era um homem de fé, acreditou e confiou no Senhor. A leitura mostra exatamente
Deus colocando Abraão à prova, era costume oferecer um animal como sacrifício
ao Senhor. Deus pede de Abraão seu filho único como sacrifício. Ao fim da
leitura percebemos que era apenas uma profissão de fé que Deus pedia de Abraão.
O sacrifício de Isaac não aconteceu, Deus providenciou um cordeiro para o
sacrifício de louvor.
Agora
avançamos um pouco na história do povo de Israel para a terceira leitura (Ex
14, 15-15, 1). Abraão tinha se dirigido para a terra prometida por Deus com seu
povo e lá tinha se estabelecido. Após um tempo, a terra começou a apresentar
problemas de colheita, fazendo com que o povo decidisse ir até o Egito
procurando uma melhor moradia, já que José, que era de Israel, tinha forte
ligação com o faraó da época, dos povos hicsos. O povo de Israel foi até o
Egito, entretanto, quando os egípcios expulsaram os hicsos e tomaram o poder
novamente, o povo hebreu se tornou escravo. Sofrendo muito, o povo clamava a
Deus por salvação. Até que Deus se lembrou do seu povo e se revelou a Moisés
para que ele libertasse os hebreus da escravidão. Essa leitura narra exatamente
a ordem de Deus a Moisés para atravessar o mar vermelho para fugir dos
egípcios. O povo era escravo no Egito, mas Deus mandou Moisés para libertá-los.
Moisés foi uma prefiguração de Jesus, nós éramos escravos do pecado, e Deus
enviou o messias para nos libertar.
A partir daí,
precisamos ter em mente uma informação importante que vem muito bem relatada e
explicada no início do livro de Levítico. Deus fala a Moisés como Ele quer que
sejam os rituais de sacrifício. O Senhor diz como que deve ser feita a expiação
dos animais, as especificações dos animais, como o sangue deve ser derramado
sobre o altar, como o animal deve ser queimado, por quem ele deve ser queimado
– pelos filhos de Aarão, que são os sacerdotes (a ordem sacerdotal de Aarão
fazia sacrifícios animais). Deus deixa quase um missal, um manual de
sacerdotes. Além disso, a passagem do povo de Israel pelo deserto também foi
palco da Antiga Aliança, Deus se manifestou a Moisés e apresentou a aliança com
seu povo, os 10 mandamentos, a Lei.
As duas
próximas leituras são retiradas do livro do profeta Isaías (Is 54, 5-14 e Is
55,1-11). Elas são um lembrete a Israel de que eles foram um povo que abandonou
Deus, que virou as costas para sua Aliança. Deus fala que por um momento, por
causa dessa traição (Israel é vista como a esposa, enquanto o Senhor é o
esposo), Ele abandona Israel, mas logo se compadece e volta a acolhê-los. Deus
faz a promessa de não os abandonar mais, de sempre mostrar sua face
misericordiosa. E também faz um clamor à sua esposa, que volte ao seu Salvador,
que volte ao seu Senhor, que abram os ouvidos, pois, assim, terão vida. “Farei
convosco um pacto eterno, manterei fielmente as graças concedidas a Davi.” O
Senhor, fiel esposo faz esse pedido a Israel, “volte para o Senhor, que terá
piedade, volte para Deus, que é generoso no perdão.”
A penúltima
leitura, retirada do livro do profeta Baruc (Br 3, 9-15.32-4,4), faz uma
indagação a Israel, e questiona porque o abandono a Deus, “abandonaste a fonte
da sabedoria!”. O profeta enfatiza que a busca por felicidade acabou desviando
o povo do próprio caminho que traria paz, longevidade e vida: a verdadeira
felicidade. E isso, é o retrato do nosso Deus, que nenhum outro pode se
comparar, Ele é sabedoria e inteligência, e revelou tudo isso a Israel, seu
bem-amado. “A sabedoria é o livro dos mandamentos de Deus, é a lei que
permanece para sempre. Todos os que a seguem têm vida, e os que a abandonam têm
a morte.” Deus se mostra desejoso do amor de Israel, e pede fidelidade, vem
clamar e reivindicar seu lugar em sua vida, “não dês a outro a tua glória nem
ceda a uma nação estranha teus privilégios”.
A última
leitura vem do livro da profecia de Ezequiel (Ez 36, 16-17a. 18-28), é o clamor
final de Deus, Ele relembra Israel de que derramou sua ira sobre os povos por
causa das traições e por causa das adorações aos ídolos de outros países. Mas,
então, Deus proclama que irá agir, que ira vir para mostrar a salvação para o
seu povo, não porque eles merecem, mas por causa de seu santo nome, porque Ele
é misericordioso. “Eu vos tirarei do meio das nações, vos reunirei de todos os
países e vos conduzirei para a vossa terra. Derramarei sobre vós uma água pura,
e sereis purificados. Eu vos purificarei de todas as impurezas e de todos os
ídolos. Eu vos darei um coração novo e porei um espírito novo dentro de vós.
Arrancarei do vosso corpo o coração de pedra e vos darei um coração de carne;
porei o meu espírito dentro de vós e farei com que sigais a minha lei e cuideis
de observar os meus mandamentos.” É uma grande promessa, a promessa da nova e
eterna Aliança, Deus está prometendo uma vida nova para o seu povo. E, com as
palavras seguintes, as leituras do antigo testamento são encerradas, palavras
que devemos sempre nos lembrar, todos os momentos quando pensarmos no sentido da
nossa entrega de vida, “Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus”.
Rafaela Carnauba
Católica, batizada, crismada e consagrada a Jesus pelas mãos de Maria. É vocacionada da Comunidade Católica Shalom. Além de ser estudante de Odontologia da Universidade Federal de Alagoas.
Perfeito, o Climax da fé não poderia jamais ser pormenorizado.
ResponderExcluirSó uma observação, cuidar aos que leem manter a leitura estricta a uma bíblia do Canon católico com 72 livros, pois o livro de Baruc não se encontra em qualquer Bíblia!
Mas intocável no total.